O avanço das transações digitais trouxe eficiência, mas também aumentou a frequência dos golpes cometidos por terceiros — especialmente após a consolidação do Pix. Para o consumidor, a fintech costuma ser o rosto mais visível dentro do sistema financeiro. E, por isso, quando ocorre um golpe, é comum que a empresa seja vista como corresponsável, mesmo sem ter qualquer participação no fato.
O problema é que, em um mercado regulado e sensível, uma acusação mal tratada não é apenas uma reclamação: ela se transforma em risco jurídico, regulatório e reputacional.
E, para fintechs, reputação é sinônimo de sobrevivência.
Fintechs não lidam apenas com dinheiro. Lidam com confiança.
E confiança é o primeiro ativo ameaçado quando o cliente sente que a plataforma não o protegeu.
Por que acusar a fintech virou comportamento comum
O golpe via Pix costuma deixar a vítima em estado emocional intenso — culpa, medo, sensação de impotência. Sem um culpado claro e com o dinheiro já desaparecido, a fintech se torna o alvo mais próximo, visível e acessível. Isso se intensifica quando:
- o golpista utiliza conta em uma fintech recém-criada;
- há aparência de facilidade excessiva para abrir contas;
- o atendimento demora a responder;
- a vítima não compreende a lógica do sistema de liquidação;
- houve indução criminosa (“engenharia social”);
- o fraudador se aproveitou de vulnerabilidades emocionais.
Esse padrão não significa culpa da instituição, mas significa que ela está exposta — e a exposição, por si só, já é um problema que exige técnica para resolver.
A responsabilidade jurídica da fintech não é automática — e nunca deve ser assumida sem análise
O ordenamento jurídico brasileiro já consolidou entendimento de que instituições financeiras não respondem automaticamente por golpes praticados por terceiros quando:
- o cliente autorizou a transação voluntariamente;
- houve entrega de senha, autenticação ou chave por ato do próprio usuário;
- a fraude ocorreu por indução psicológica (chantagem, manipulação, falso funcionário);
- o sistema da fintech funcionou conforme as normas de segurança;
- a operação não apresentava sinais objetivos de anomalia.
Mesmo assim, o consumidor insiste judicialmente — porque o sistema de pagamento é veloz e a dor do prejuízo é imediata.
É por isso que a estratégia jurídica precisa ser firme, técnica e muito bem documentada.
A defesa deve demonstrar:
- cumprimento das normas do Banco Central (especialmente Resolução 4.753/2019 e normativos de PLD/FT);
- trilhas de auditoria (logs de acesso, IP, dispositivos, horários);
- mecanismos antifraude implementados;
- ausência de falha sistêmica;
- conduta voluntária do usuário;
- ausência de previsibilidade objetiva do golpe;
- protocolos de resposta imediata após a comunicação da vítima.
Quanto mais robusta a demonstração técnica, maior a chance de afastar a responsabilidade.
O peso regulatório: quando o problema não é só jurídico, mas também institucional
O Banco Central e demais órgãos reguladores não se satisfazem com explicações superficiais. Eles exigem:
- fluxos de onboarding muito bem desenhados;
- validação de identidade (KYC) consistente;
- verificação documental com análise humana ou automatizada;
- monitoramento transacional contínuo;
- políticas de PLD/FT vivas e atualizadas;
- histórico de ações adotadas em casos semelhantes;
- evidência de bloqueio imediato quando há comunicação de suspeita.
A fintech que não consegue comprovar isso se expõe a riscos sérios:
- auditorias extraordinárias;
- relatórios compulsórios;
- penalidades administrativas;
- restrições operacionais;
- danos severos de reputação;
- desconfiança de parceiros e adquirentes.
Por isso, a resposta a um caso de golpe nunca é só jurídica — ela precisa passar também por compliance, risco e governança.
Como a comunicação interna e externa influencia o desfecho
Um dos erros mais graves — e frequentes — é permitir que o atendimento responda de forma precipitada, sem alinhamento técnico com o jurídico e o compliance.
Uma frase mal formulada pode gerar:
- reconhecimento indevido de culpa;
- contradição futura na defesa;
- obrigação inexistente;
- efeito multiplicador nas redes sociais;
- desgaste público da marca.
A verdade é dura, mas clara:
em fintech, jurídico, compliance e atendimento precisam falar a mesma língua, sob pena de transformar um incidente isolado em uma crise.
Como estruturar a defesa diante de acusações de golpe
Uma defesa consistente envolve três camadas:
1. Técnica interna
Coleta imediata de logs, registros, triangulação de IP, histórico de dispositivo, horário exato da operação, eventuais padrões de comportamento e verificação de políticas internas aplicadas ao caso.
2. Jurídica
Demonstração clara de que a instituição cumpriu todos os seus deveres regulatórios e de diligência, afastando a responsabilidade objetiva e provando a ausência de nexo causal.
3. Reputacional
Comunicação controlada, transparente e alinhada. Não é admitir culpa — é demonstrar seriedade, método e respeito ao usuário.
Quando as três atuam juntas, a chance de condenação cai drasticamente.
O que diferencia fintechs que sobrevivem de fintechs que afundam em crise
As fintechs que atravessam incidentes com segurança têm alguns padrões em comum:
- revisam continuamente seus fluxos de prevenção;
- investem em KYC e antifraude como parte do produto;
- tratam cada incidente como oportunidade de ajuste interno;
- possuem jurídico estruturado e presente na operação;
- registram tudo — absolutamente tudo;
- mantêm governança viva e adaptada ao risco;
- respondem rápido, com clareza, sem improviso.
Já as que se complicam são aquelas que:
- adotam respostas automáticas;
- não documentam incidentes;
- têm políticas desconectadas da realidade;
- deixam o atendimento agir sem coordenação;
- lidam com fraudes como “problema do cliente”.
E é aí que a reputação vai embora — e, com ela, a capacidade de operar.
Conclusão
Acusações de golpe são, hoje, parte inevitável do ecossistema financeiro digital. Mas responsabilização não é — e não pode ser — automática. O que distingue a fintech que afunda na crise da fintech que se fortalece é a estrutura jurídica, regulatória e operacional com que ela responde ao problema.
Segurança, compliance e governança não são acessórios: são pré-condições para competir em um mercado que se apoia em confiança. E confiança só se mantém quando a empresa demonstra técnica, seriedade e preparo para lidar com incidentes.
Uma acusação pode ser o início de um processo — ou pode ser o momento em que a fintech mostra solidez e maturidade.
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A Log.Law assessora fintechs na gestão jurídica de incidentes, prevenção a fraudes, defesa em litígios cíveis, alinhamento regulatório e estruturação de políticas internas robustas.
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