Quando a fintech é acusada em golpes: como responder com segurança jurídica e preservar a reputação

published on 01 December 2025

O avanço das transações digitais trouxe eficiência, mas também aumentou a frequência dos golpes cometidos por terceiros — especialmente após a consolidação do Pix. Para o consumidor, a fintech costuma ser o rosto mais visível dentro do sistema financeiro. E, por isso, quando ocorre um golpe, é comum que a empresa seja vista como corresponsável, mesmo sem ter qualquer participação no fato.

O problema é que, em um mercado regulado e sensível, uma acusação mal tratada não é apenas uma reclamação: ela se transforma em risco jurídico, regulatório e reputacional.

E, para fintechs, reputação é sinônimo de sobrevivência.

Fintechs não lidam apenas com dinheiro. Lidam com confiança.

E confiança é o primeiro ativo ameaçado quando o cliente sente que a plataforma não o protegeu.

Por que acusar a fintech virou comportamento comum

O golpe via Pix costuma deixar a vítima em estado emocional intenso — culpa, medo, sensação de impotência. Sem um culpado claro e com o dinheiro já desaparecido, a fintech se torna o alvo mais próximo, visível e acessível. Isso se intensifica quando:

  • o golpista utiliza conta em uma fintech recém-criada;
  • há aparência de facilidade excessiva para abrir contas;
  • o atendimento demora a responder;
  • a vítima não compreende a lógica do sistema de liquidação;
  • houve indução criminosa (“engenharia social”);
  • o fraudador se aproveitou de vulnerabilidades emocionais.

Esse padrão não significa culpa da instituição, mas significa que ela está exposta — e a exposição, por si só, já é um problema que exige técnica para resolver.

A responsabilidade jurídica da fintech não é automática — e nunca deve ser assumida sem análise

O ordenamento jurídico brasileiro já consolidou entendimento de que instituições financeiras não respondem automaticamente por golpes praticados por terceiros quando:

  • o cliente autorizou a transação voluntariamente;
  • houve entrega de senha, autenticação ou chave por ato do próprio usuário;
  • a fraude ocorreu por indução psicológica (chantagem, manipulação, falso funcionário);
  • o sistema da fintech funcionou conforme as normas de segurança;
  • a operação não apresentava sinais objetivos de anomalia.

Mesmo assim, o consumidor insiste judicialmente — porque o sistema de pagamento é veloz e a dor do prejuízo é imediata.

É por isso que a estratégia jurídica precisa ser firme, técnica e muito bem documentada.

A defesa deve demonstrar:

  • cumprimento das normas do Banco Central (especialmente Resolução 4.753/2019 e normativos de PLD/FT);
  • trilhas de auditoria (logs de acesso, IP, dispositivos, horários);
  • mecanismos antifraude implementados;
  • ausência de falha sistêmica;
  • conduta voluntária do usuário;
  • ausência de previsibilidade objetiva do golpe;
  • protocolos de resposta imediata após a comunicação da vítima.

Quanto mais robusta a demonstração técnica, maior a chance de afastar a responsabilidade.

O peso regulatório: quando o problema não é só jurídico, mas também institucional

O Banco Central e demais órgãos reguladores não se satisfazem com explicações superficiais. Eles exigem:

  • fluxos de onboarding muito bem desenhados;
  • validação de identidade (KYC) consistente;
  • verificação documental com análise humana ou automatizada;
  • monitoramento transacional contínuo;
  • políticas de PLD/FT vivas e atualizadas;
  • histórico de ações adotadas em casos semelhantes;
  • evidência de bloqueio imediato quando há comunicação de suspeita.

A fintech que não consegue comprovar isso se expõe a riscos sérios:

  • auditorias extraordinárias;
  • relatórios compulsórios;
  • penalidades administrativas;
  • restrições operacionais;
  • danos severos de reputação;
  • desconfiança de parceiros e adquirentes.

Por isso, a resposta a um caso de golpe nunca é só jurídica — ela precisa passar também por compliance, risco e governança.

Como a comunicação interna e externa influencia o desfecho

Um dos erros mais graves — e frequentes — é permitir que o atendimento responda de forma precipitada, sem alinhamento técnico com o jurídico e o compliance.

Uma frase mal formulada pode gerar:

  • reconhecimento indevido de culpa;
  • contradição futura na defesa;
  • obrigação inexistente;
  • efeito multiplicador nas redes sociais;
  • desgaste público da marca.

A verdade é dura, mas clara:

em fintech, jurídico, compliance e atendimento precisam falar a mesma língua, sob pena de transformar um incidente isolado em uma crise.

Como estruturar a defesa diante de acusações de golpe

Uma defesa consistente envolve três camadas:

1. Técnica interna

Coleta imediata de logs, registros, triangulação de IP, histórico de dispositivo, horário exato da operação, eventuais padrões de comportamento e verificação de políticas internas aplicadas ao caso.

2. Jurídica

Demonstração clara de que a instituição cumpriu todos os seus deveres regulatórios e de diligência, afastando a responsabilidade objetiva e provando a ausência de nexo causal.

3. Reputacional

Comunicação controlada, transparente e alinhada. Não é admitir culpa — é demonstrar seriedade, método e respeito ao usuário.

Quando as três atuam juntas, a chance de condenação cai drasticamente.

O que diferencia fintechs que sobrevivem de fintechs que afundam em crise

As fintechs que atravessam incidentes com segurança têm alguns padrões em comum:

  • revisam continuamente seus fluxos de prevenção;
  • investem em KYC e antifraude como parte do produto;
  • tratam cada incidente como oportunidade de ajuste interno;
  • possuem jurídico estruturado e presente na operação;
  • registram tudo — absolutamente tudo;
  • mantêm governança viva e adaptada ao risco;
  • respondem rápido, com clareza, sem improviso.

Já as que se complicam são aquelas que:

  • adotam respostas automáticas;
  • não documentam incidentes;
  • têm políticas desconectadas da realidade;
  • deixam o atendimento agir sem coordenação;
  • lidam com fraudes como “problema do cliente”.

E é aí que a reputação vai embora — e, com ela, a capacidade de operar.

Conclusão

Acusações de golpe são, hoje, parte inevitável do ecossistema financeiro digital. Mas responsabilização não é — e não pode ser — automática. O que distingue a fintech que afunda na crise da fintech que se fortalece é a estrutura jurídica, regulatória e operacional com que ela responde ao problema.

Segurança, compliance e governança não são acessórios: são pré-condições para competir em um mercado que se apoia em confiança. E confiança só se mantém quando a empresa demonstra técnica, seriedade e preparo para lidar com incidentes.

Uma acusação pode ser o início de um processo — ou pode ser o momento em que a fintech mostra solidez e maturidade.

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A Log.Law assessora fintechs na gestão jurídica de incidentes, prevenção a fraudes, defesa em litígios cíveis, alinhamento regulatório e estruturação de políticas internas robustas.

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